Uma infância sertaneja
Segundo filho de um agricultor pobre da região do Cariri, havendo perdido muito jovem a visão em um dos olhos em conseqüência de uma doença, órfão de pai aos oito anos, Antônio Gonçalves da Silva é, naturalmente, conduzido a ajudar sua mãe e sua família participando dos trabalhos nos campos, meio de subsistência tradicional para os habitantes dessa região. Escolarizado durante seis meses quando tinha doze anos, ele reconhece que seu mestre, embora extremamente atencioso e generoso, era precariamente letrado e não sabia ensinar a pontuação. É assim que ele aprende a ler sem ponto nem vírgula, como se o ritmo das palavras fosse dado unicamente pela voz. Esta estranha aprendizagem, em realidade, é apenas a expressão profunda da oralidade que caracteriza a cultura popular e a tradição dos poetas-repórteres. Como a maior distração do jovem Antônio, desde seu retorno dos campos, era ler ou escutar seu irmão mais velho ler os folhetos da literatura de cordel, ele descobriu muito cedo sua vocação poética e iniciou, ao contato desta literatura, a composição de versos: “De treze a quatorze anos comecei a fazer versinhos que serviam de graça para serranos, pois os sentidos de tais versos eram o seguinte: brincadeiras de noite de São João, testamento do Juda, ataque aos preguiçosos que deixavam o mato estragar os plantios da roça, etc.” Aos dezesseis anos, adquire uma viola de dez cordas e decide fazer improvisações segundo a tradição sertaneja dos violeiros, tratando de todos os assuntos concernentes à sua experiência profissional, sobre o modelo: motivo-glosa. Põe-se a cantar por prazer, na esperança de ser convidado para as festas: comemoração de santos, casamentos e participou assim da vida local: “A poesia sempre foi e ainda está sendo a maior distração da minha vida. O meu fraco é fazer verso e recitar para os admiradores, porém, nunca escrevo meus versos. Eu os componho na roça, ao manejar a ferramenta agrícola e os guardo na memória, por mais extenso que seja” confessa ele. Assim, se ele continuou a entregar-se às improvisações pelo prazer, a poesia que ele destina à transcrição está intimamente ligada ao ritmo do trabalho quotidiano, acompanhando os gestos dos trabalhos do campo e composta mentalmente ao longo dos anos, servindo-se de capacidades impressionantes de memorização.
Um poeta itinerante
Aos vinte anos, na ocasião de uma visita ao vilarejo de um primo materno, este último, encantado pelas improvisações de Antônio, pediu autorização à sua mãe para que lhe permitisse seguir com ele para o estado do Pará, propondo-se, de sua parte, a auxiliar nas necessidades do jovem e consentindo que este retornasse a seu lar sempre que quisesse. Foi nesta ocasião que ele conheceu o escritor cearense José Carvalho de Brito, que lhe consagrou um capítulo em seu livro intitulado O Matuto cearense e o Caboclo do Pará. Além disto, este publica os primeiros textos de Antônio Gonçalves da Silva em O Correio do Ceará para o qual ele colaborava. Estes textos foram acompanhados de um comentário nos quais José Carvalho de Brito comparava a poesia espontânea de Antônio Gonçalves da Silva à pureza do canto da patativa, pássaro do Nordeste. Foi assim que nasceu o pseudônimo de Patativa. Pois, para distingui-lo de outros improvisadores, se lhe acrescia o topônimo de sua vila natal: Assaré. Patativa do Assaré empreendeu então uma viagem a Belém, em seguida a Macapá onde ficou dois meses. Julgando a vida relativamente insípida, e não apreciando o fato de deslocar-se sistematicamente por barco para ir de uma casa à outra, decidiu retornar a Belém onde continuou suas improvisações em companhia de outros poetas como Francisco Chapa, Antônio Merêncio e Rufino Galvão. Ao termo de cinco meses, não resistindo mais aos ataques de saudades, ele decidiu tornar a viver no Ceará.
A consagração oficial
Em seu retorno, José Carvalho de Brito entregou-lhe uma carta de recomendação para obter uma audiência com a Dra. Henriqueta Galeno, filha do poeta Juvenal Galeno. Ele foi recebido com honras dignas de um “poeta de classe, um poeta de cultura, um poeta erudito” e improvisou, em seu salão, acompanhado de sua viola. De volta a Assaré, retomou os trabalhos do campo aos quais dedicou o resto de sua vida. Havendo sido notado pelo latinista José Arraes de Alencar, que lhe havia escutado improvisar pela Rádio Araripe, este convoca-o para perguntar porque não publicava seus textos tão “dignos de atenção e próprios de divulgação” . Patativa do Assaré argumentou que não era mais do que um pobre agricultor e que não dispunha, portanto, de meios de publicar sua obra. José Arraes de Alencar lhe propõe uma solução: ele se encarregaria das negociações com o editor Borçoi no Rio de Janeiro e Patativa do Assaré lhe reembolsaria os custos da impressão com o produto da venda dos livros. É assim que surge a sua primeira compilação Inspiração nordestina, em 1956. No prefácio, José Arraes de Alencar sublinha as qualidades particulares aos poetas nordestinos: “Nada arranca aos rapsodos nordestinos a admirável espontaneidade, que é um milagre da inteligência, um inexplicável poder do espírito, faculdade portentosa daqueles homens simples e incultos, de cuja boca prorrompem, em turbilhões, os mais inspirados versos, as trovas mais dolentes e sentimentais, ou épicas estrofes, que entusiasmam e arrebatam” . Havendo superado seu primeiro receio de não estar em condições de reembolsar, Patativa do Assaré aceitou. O sucesso da antologia lhe permitiu uma segunda edição em 1966, enriquecida de novos textos: Cantos de Patativa. Nesta ocasião, ele passou quatro meses no Rio de Janeiro; entretanto a venda de seus livros se deu essencialmente no Ceará.
A divulgação da obra
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